26/08/2021
 
Os quadros de crise hídrica em vários regiões e centros urbanos do país tem virtuosamente servido a um despertar de leigos e especialistas para certos aspectos de ordem hidrológica que somente não se destacaram antes porque nessas mesmas regiões, que hoje podem estar a sofrer com a falta do recurso hídrico, predominava uma certa cultura da bonança hídrica, no âmbito da qual era inimaginável uma circunstância de escassez grave e prolongada.
 
O absurdo das enormes perdas de água nas canalizações de distribuição, o enorme desperdício por parte os usuários finais, a criminosa poluição das águas urbanas, o desmatamento e a ocupação urbana generalizada de mananciais, a generalizada impermeabilização promovida pelas cidades, a perda quase total do volume hídrico de chuvas ocasionais, compõem alguns desses paradoxos e aberrações.
 
No caso específico do melhor aproveitamento das águas de chuva o país pode, a partir dessas constatações, dar um enorme salto de qualidade em um período de tempo razoavelmente curto, com resultado fantástico para o balanço hídrico de suas cidades. Até porque, e especialmente em épocas de crise hídrica, choca-nos testemunhar o enorme desperdício de boa água quando de chuvas torrenciais urbanas. Constitui um incrível paradoxo o fato de uma cidade em crise hídrica permitir que tal caudal de água boa se esvaia pelo sistema de drenagem sem um mínimo aproveitamento!
 
Precisamos distinguir nesse caso dois tipos de aproveitamento de águas de chuva: o direto e o indireto.
 
Sobre o armazenamento direto, não há dúvida que os reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva para usos mais brutos, como lavagem de pisos internos, praças, arruamentos, autos, regas de vegetação, descargas sanitárias, operações em caldeiras e processos industriais, etc. em muito aliviariam o sistema público de oferta de água tratada potável. Pode-se inclusive pensar em grandes reservatórios urbanos subterrâneos implantados em áreas urbanas circunscritas, nas quais, pelo tipo e consolidação da urbanização presente, o grau de contaminação das águas de escoamento superficial fosse mais baixo e tolerável. O piscinão do Pacaembu, na cidade de São Paulo, seria um bom exemplo. Essas águas passariam por algum mínimo tratamento local e poderiam após ser utilizadas para vários fins que não exigissem sua potabilidade.
 
Mas há também a excepcional e esquecida possibilidade de armazenamento indireto, ou seja, armazenamento da água de chuva devidamente infiltrada no solo e acumulada nas camadas que compõem o substrato geológico das cidades; em outras palavras a água subterrânea. É conhecida a propriedade das cidades em impermeabilizar os terrenos e impedir a retenção e a infiltração das águas de chuva, lançando-as rápida e diretamente nos sistemas de drenagem superficial, fator causal das enchentes urbanas. Em sequência, através de córregos e rios essas águas são conduzidas sem nenhum aproveitamento para fora do município. Se, através de uma série de dispositivos, como os próprios reservatórios domésticos e empresariais aliados à capacidade de infiltração, a disseminação de bosques florestados no espaço urbano, a obrigatoriedade de adoção de pisos, pavimentos e outros tantos dispositivos drenantes e infiltrantes, a cidade aumentar sua capacidade de infiltrar e reter águas de chuva estaremos não só reduzindo o risco de enchentes, como “abastecendo” o grande reservatório geológico subterrâneo com milhões de metros cúbicos de boa água; a ser retirada e aproveitada através da instalação de uma rede de poços profundos.
 
Nisso tudo está, obviamente, envolvida uma profunda questão de mudança cultural, capaz de se traduzir em inovadoras e revolucionárias políticas públicas de proteção, conservação e uso de recursos hídricos. Não há o que esperar, mãos à obra.
 
 
 
 
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  - Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia
 
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